Como desejo que, no dia em que me vireis costas e a minha autoridade murche, nesses dias em que as minhas imposições já não sejam e o vosso dia não me pertença, esta primeira paixão, desgarrada, que vos agarra pelos olhos e vos faz andar cegos, nunca se consuma.
Como desejo que ela seja sempre peça na mala do vosso crescer, onde a meti às escondidas, desde que éreis ainda mais meninos, para que tivesse a força de ser a primeira, a que nunca se esquece nem se abandona, a que é roupa do ser e alimento de toda a fome.
Mas sou mãe e o receio é a minha ocupação. Tenho medo que mesmo a ser essa primeira, ela não vos consiga agarrar na soleira da porta deste mundo novo, acelerado. Este mundo que ofusca a mente que pasma, e faz do pensar bicho que apodrece. Onde o papel é antigo e as longas estórias arcaicas.
Como desejo que o faça. Que vos convença a ficar deste lado, onde a sombra abraça hoje a vossa lúcida cegueira. E eu vos fotografo a caminhar longe, tão longe, que nenhum mecanismo a rasgar o céu vos conseguiria lá levar.
@Rita Cruz. 2021