À conversa com António José Gomes, na Universidade Popular do Porto

Ainda mal cheguei à Malásia, ainda ando às turras com a teimosia do dia ser dia quando é noite, dos miúdos no quarto às quatro da manhã e a língua dos gatos no nariz a exigirem comida a horas igualmente indecentes — tipo dez da manhã — e eis-me no Porto outra vez, onde chove, com certeza, e eu que tenho a gabardine arrumada já, metida numa caixa até mais ver. Não sei se vou precisar nela nesta conversa, que parece mal aparecer de blusa de alças. Pelo menos não tenho bronzeado para ofuscar invejas de Verão, uma vez que ainda não saí de casa, amputada por uma pulseira desajeitadamente cor-de-rosa, reclusa dos tempos que nos calham viver. O que vou ter, de certeza, é olheiras pouco invejáveis: vou ter 47 anos feitos nesse dia, a terceira dose da vacina a correr nas veias e, se as leis da física persistirem na teimosia apesar das minhas eloquentes tentativas de persuasão, vão ser duas da manhã nas vossas seis horas.

Perdoem-me aos que facilmente se ofendem, pelo cartaz que fala em obra, quando a escritora apenas inaugurou um livro e tem umas farripas de crónicas publicadas. Obra, obra, quem tem é quem vai conduzir a conversa, o José António Gomes, ou o poeta José Pedro Mésseder . Eu tenho um livro. Entendamos, talvez, que obra aqui se debruça sobre uma vida e não apenas sobre a escrita. Aos 47, todos já temos alguma. Ou entenda-se que em cartazes, de papel ou de luz, há sempre pós de perlimpimpim.

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